Rev. Júlio César Pinto
Quando o calendário se aproxima do Natal, a igreja é naturalmente levada a recordar o mistério do Verbo que se fez carne. E ainda que os dias e as datas não nos governem a consciência, pois “um faz diferença entre dia e dia, outro julga iguais todos os dias” (Rm 14.5).
Assim, somos convidados, mais uma vez, a contemplar o coração do evangelho. Não o fazemos porque um dia específico foi ordenado para tal, mas porque o Cristo que nasceu é o mesmo que viveu, padeceu, morreu, ressuscitou e há de vir.
Lucas, ao registrar a pregação de Pedro, nos conduz para além da manjedoura. Em Atos, ouvimos que Jesus foi “entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus” (At 2.23). Nada em sua história foi acidental. Nem o nascimento humilde, nem os anos silenciosos em Nazaré, nem a cruz vergonhosa, nem o túmulo vazio. Tudo já estava determinado no conselho eterno de Deus. O Cristo que veio ao mundo veio com um propósito claro: dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10.45).
Por isso, a fé cristã sempre soube distinguir entre o que Deus ordenou explicitamente e o que Ele não prescreveu. O Senhor, em sua Palavra, nos deu um dia para ser guardado: o Dia do Senhor, o domingo, o sábado cristão, memorial semanal da ressurreição (Lc 24.30; Ap 1.10; At 20.7). Esse é o único dia explicitamente separado para culto e descanso santo. As demais datas podem servir à reflexão, mas não se impõem à consciência da igreja. Pois aprendemos que aquilo que Deus não ordenou claramente, ou que não pode ser deduzido com segurança das Escrituras, não deve governar a vida do povo de Deus (Dt 12.32; Cl 2.16–17).
Ainda assim, quando a igreja se reúne à Mesa do Senhor, somos lembrados de que a Ceia não se restringe a um único momento da história redentiva. “Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1Co 11.26). Anunciamos sua morte, sim; mas essa morte pressupõe sua encarnação. Não há cruz sem nascimento, nem ressurreição sem vida vivida em perfeita obediência. Na Ceia, confessamos todo o Cristo: o que encarnou se fazendo homem, o que sofreu, o que morreu, o que ressuscitou e o que retornará em glória.
O Natal, portanto, não é o centro; é o caminho. O presépio aponta para o Calvário. A criança envolta em faixas antecipa o corpo envolto em panos no sepulcro. O cântico dos anjos prepara o silêncio da sexta-feira e a explosão de alegria do primeiro dia da semana. Como escreveu o apóstolo: “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores” (1Tm 1.15). Veio, para morrer. Morreu, para ressuscitar. Ressuscitou, para justificar. E voltará, para consumar.
Assim, ao recordarmos o nascimento, não nos detemos nele. Olhamos adiante, para o propósito maior da vinda do Filho. Pois o nascimento foi o meio escolhido pela sabedoria divina; a morte e a ressurreição foram a finalidade eterna. “Importava que o Cristo padecesse e ressuscitasse dentre os mortos ao terceiro dia” (Lc 24.46). E nisso repousa nossa esperança, nossa fé e nossa vida.
Deus abençoe a todos.

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