De antemão quero deixar claro aqui o meu objetivo com esse texto. Não quero aqui acirrar disputas, nem mesmo instigar discussão inflamada de vaidades, e muito menos fazer-me parecer mais nobre do que os que pensam diferente de mim. Meu objetivo é mostrar porque assim me defino, para que outros possam refletir sobre o assunto e, tudo isso para a glória de Deus. Para facilitar o entendimento, dividirei em dois pontos o meu argumento sobre a Teologia Reformada: ela como sistema de interpretação das Escrituras, e, como sistema litúrgico do culto a Deus.
A Teologia Reformada é um sistema de interpretação das Escrituras Sagradas. Ela não é só um arcabouço de doutrinas que ficam somente no campo dos estudos, das teorias, e da subjetividade. Ela, é, primeiramente um sistema objetivo de interpretação das Escrituras Sagradas, através do qual todas as verdades bíblicas são sistematizadas, para, assim, tornar nossos estudos sobre a autorrevelação de Deus nas páginas da Bíblia, mais profundos e dinâmicos, com o propósito de praticarmos todo o ensinamento a respeito do conhecimento de Deus. Assim sendo, a Teologia Reformada é também um sistema de vida, de prática, tal como dizemos: a Bíblia é a nossa única regra de fé e prática.
Para auxiliar-nos nesses estudos da Bíblia, além das ferramentas das Hermenêutica (ciência e técnica da interpretação de textos, neste caso, os bíblicos), Exegese (estudo analítico completo de uma passagem bíblica, partindo das suas línguas originais em que foram escritos, com o propósito de se chegar à sua interpretação útil), a Teologia Reformada também lança mão dos Símbolos de Fé, ou seja, as Confissões de Fé e Catecismos. Por exemplo: a minha denominação, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), adota como Símbolos de Fé produzidos pela Assembleia de Westminster em 1643-49, a Confissão de Fé, o Catecismo Maior (para adultos) e o Breve Catecismos (para crianças). Além desses documentos, também foi produzido um Diretório de Culto, o qual não foi adotado pela IPB, mas, foi adaptado (tratarei desse ponto mais a diante).
Esses Símbolos de Fé, não substituem e nem estão no mesmo pé de igualdade que as Escrituras Sagradas. Eles são apenas ferramentas que nos auxiliam na interpretação das Escrituras. Eles são a sistematização das doutrinas bíblicas.
Mas, por que uma sistematização é tão importante assim? Imagine você entrando numa biblioteca com milhares de livros tratando dos mais variados assuntos. Mas, todos esses livros não estão catalogados. Seria uma tarefa extremamente difícil encontrar algum livro pretendido. O mesmo aconteceria com a Bíblia se as suas doutrinas não fossem sistematizadas (agrupadas em assuntos), e os textos bíblicos não fossem relacionados. Uma sistematização doutrinária traz importante contribuição. Porém, ela tem que ser confiável, partindo de uma interpretação correta. Particularmente, não encontro uma sistematização mais coerente, ordenada e confiável do que os Símbolos de Fé de Westminster.
Ainda outro ponto importante dentro desse tópico é o Aliancismo, o qual se constitui na doutrina (ou nas doutrinas) da Aliança de Deus com Seu povo, a qual é perpétua, tal como Deus disse a Abrão (Gn 17.8). A Aliança é uma só em seu teor, mas, foi ministrada de formas diferentes. Nos tempos do Antigo Testamento, a circuncisão e a páscoa eram os seus sinais e ordenanças; nos dias do Novo Testamento, o batismo (no lugar da circuncisão) e a Ceia do Senhor (no lugar da páscoa) são agora, seus sinais e ordenanças. Você não compreenderá por que nós Reformados batizamos nossos bebezinhos, se não entender o Aliancismo. Tanto a Antiga quanto a Nova Aliança estão sob a mesma declaração divina: “Andarei entre vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” (Lv 16.12; Jr 7.23; 30.22; Ez 36.28; Rm 9.26; 2Co 6.16; Hb 8.10).
A Teologia Reformada é um sistema litúrgico de adoração a Deus. A razão pela qual fomos criados por Deus, pela qual Cristo morreu na cruz por nós e nos salvou e, a Igreja deve pregar o Evangelho, não é outra, senão ver pecadores serem transformados em filhos de Deus e, consequentemente, Seus adoradores. Por isso, para nós Reformados, o culto a Deus é o assunto mais importante da nossa vida.
Entendemos que há um Princípio Regulador do Culto, o qual foi estabelecido pelo próprio Deus – Ele diz como é que quer ser adorado. Não há espaço para invencionices dos homens, nem mesmo para criatividade sob pretexto de sinceridade. Não temos nenhuma autorização para fazermos quaisquer acréscimos ao culto a Deus.
Mas, qual seria esse Princípio Regulador do Culto? Nós o encontramos logo nos primórdios da História da humanidade. Em Gn 3.7, ao perceberem-se nus após comerem do fruto do conhecimento do bem e do mal, e com vergonha um do outro, nossos pais, Adão e Eva coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. No v.21, Deus, após sentenciar Adão, Eva e a serpente pela desobediência cometida, diz-nos a Bíblia que: “Fez o SENHOR Deus vestimenta de peles para Adão e sua mulher e os vestiu”. Não foram vestimentas de pelos, mas de peles, ou seja, um animal inocente teve de morrer para que a vergonha do pecado de nossos pais fosse coberta. Aqui encontramos o princípio que deve regular o nosso culto a Deus: o inocente morrendo no lugar do pecador. Daí em diante, todo o culto a Deus no Antigo Testamento, todo o sistema sacrificial e sacerdotal apontavam para o Senhor Jesus Cristo “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 2.29).
Mas, como aplicamos esse princípio para regular o nosso culto? Da seguinte forma: não podemos adorar a Deus e não podemos ser aceitos diante de Deus, a não ser por meio de Jesus Cristo. Logo, não é o “nosso melhor para Deus” que nos torna aceitáveis diante Dele; não é o melhor jeito, a nossa criatividade, a nossa habilidade com que executamos nossos louvores e fazemos as coisas no culto a Deus que faz com que Deus Se agrade de nós, mas, única e exclusivamente a obra de Jesus Cristo em nosso favor que faz com que adoremos a Deus, “em espírito e em verdade” (Jo 4.23).
Detenhamos nossa atenção um pouco mais neste versículo: “Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores” (Jo 4.23). Há uma cultura perniciosa em nossos dias que invadiu as igrejas conhecida por seeker sensitive (sensível ao que busca). Esse movimento procura atrair adeptos instigando os interesses, gostos e aspirações das pessoas. O objetivo é encher os templos. Nesse modelo, quem busca ser adorador é o homem; no “modelo” de Deus, é Ele quem busca aqueles que serão Seus adoradores, ou seja, é Ele quem manda.
A liturgia de um Culto Reformado é simples. Não há adereços, extravagâncias, coisas chamativas e mirabolantes. Ali o templo é simples, com linhas e traços simples, bem iluminado, a mesa da Ceia tem somente os elementos (pão e vinho), o púlpito tem traços austeros (nem existe altar e muito menos, palco). Toda a liturgia é dirigida em todas as suas partes pela Palavra de Deus, geralmente lida pelo dirigente (um oficial da Igreja) ou com toda a congregação; os cânticos são congregacionais porque é a Igreja que adora, e, por isso, não há “ministros de louvor”, nem “grupo de louvor”, pois, toda a congregação louva, e é dirigida pelo Espírito Santo na sua adoração. Algumas igrejas permitem solos, corais e quartetos por entenderem que a congregação também está acompanhando os cânticos e hinos em seus corações enquanto ouvem. Há outras que adotam o cânticos dos Salmos exclusivamente (Salmodia Exclusiva), enquanto outras, incluem o cântico dos Salmos no seu repertório de hinos e cânticos (Salmodia Inclusiva). Os elementos de um Culto Reformado são: leitura, exposição e recepção da Palavra, orações, cântico de Salmos, hinos e cânticos espirituais, celebração da Ceia do Senhor e Batismo.
Mas, por que toda essa simplicidade? Deus não é glorioso e merecedor das ações mais gloriosas de Seus filhos? Como já foi dito, quem determina como o culto solene e comunitário deve ser é o próprio Deus e não nós. Se Ele quisesse algo assim teria deixado prescrito para nós. Porém, Ele quer um culto onde a simplicidade esteja presente para que nossa atenção esteja totalmente voltada para Cristo. Nada deve desviar a nossa atenção da pessoa bendita de Seu Filho.
Por tudo isso, algo raro de se encontrar é uma Igreja Reformada de fato. Algumas denominações se intitulam “Reformadas”, mas, estão longe de serem. Não são aliancistas (não batizam seus bebezinhos!), não adotam o Princípio Regulador do Culto, acrescentam coisas estranhas ao culto (ministério de dança, jogo de luzes, apresentações musicais, ordenação de mulheres aos ofícios da Igreja, retirada das crianças do culto para uma sala ao lado onde terão o tal “culto infantil”, etc.). Até creem e ensinam os Cinco Pontos do Calvinismo (alguns se declaram “calvinistas de 4 ou 3 pontos”), o que já é um bom começo, mas, nem assim são “Reformados” de fato. “Ah! Mas o que importa é ser bíblico”, é o que sempre ouço da boca de muitos quando o assunto é Fé Reformada. Ao que respondo: ser Reformado é ser Bíblico.
Rev. Olivar Alves Pereira
Ad Majorem Dei Gloriam

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