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2Tm 3.14-17

Introdução e Contextualização

                   Em algum momento entre os anos 64 a 68 d.C., numa cadeia fria na cidade de Roma, lá estava o velho apóstolo Paulo esperando seu martírio (2Tm 4.6-8). Estava cansado da jornada, mas, não paralisado pelas circunstâncias. Não sabendo quanto tempo mais lhe restava, não podia perder tempo, e tinha que deixar instruções para o seu irmão e companheiro, o pastor Timóteo. Nessas condições então ele escreveu a sua segunda carta a Timóteo.

                   O tom pessoal e direto com que ele fala nessa carta (e nas outras três conhecidas como “Cartas Pastorais, 1Timóteo, Tito e Filemom), mostra o seu zelo pelas coisas de Deus e seu amor pelo seu “filho na fé” (cf. 1Tm 1.2) e pela igreja de Cristo. Expressões como “Tu, porém” (1Tm 6.11; 2Tm3.10,14), “E tu, ó Timóteo” (1Tm 6.20), “Tu, pois, filho meu” (2Tm 2.1), e os muitos verbos conjugados na segunda pessoa do singular no modo imperativo, nos mostram a responsabilidade que pesava sobre os ombros de Timóteo, e como Paulo o instruía de forma direta e pessoal.

                   Quero, nesta ocasião, tomar uma dessas ordens de Paulo a Timóteo e usá-la como tema para a nossa mensagem. Aqui em 2Tm 3.14, Paulo disse: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste…”. Proponho então, o seguinte tema: Tu, porém, permanece na Palavra.

                   A conjunção adversativa no v.14 “porém” (de,) conecta o presente texto com tudo o que vem antes, especialmente o v.13 onde Paulo fala sobre a trajetória de desgraça dos “homens perversos e impostores”  que “irão de mal a pior, engando e sendo enganados”, para fazer um contraste em Timóteo e eles. Ao contrário destes tais, Timóteo tinha outro destino, a saber, a Glória Eterna. Mas, para chegar lá ele precisaria permanecer na Palavra de Deus.

                   Irmãos, tão importante quanto nascer de novo é permanecer na Palavra. Tal como uma criança que nasce, se não for alimentada e continuar alimentando-se durante sua vida morrerá, é a pessoa que abraçou a Fé Cristã, mas não permanece na Palavra; ela não crescerá, amadurecerá, e por isso, não obterá a salvação. Observe o que Paulo diz no v.15 sobre a Palavra de Deus, o que ele chama de “sagradas letras”, isto é, o Antigo Testamento, mais especificamente os Dez Mandamentos. Timóteo havia recebido de sua avó Loide e sua mãe Eunice a instrução nos escritos sagrados (cf. 1Tm 1.5), os quais: “…que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus”. Estaria Paulo dizendo que Timóteo precisava ser convertido? Que ele ainda não era um salvo e que precisava tornar-se sábio mediante a Palavra de Deus para vir a ser salvo? Claro que não. O que ele está afirmando aqui é que:

essa maravilhosa obra de Deus, pela qual os pecadores são emancipados do maior dos males e entram na posse do maior dos bens, não é produzido de uma forma mecânica por simplesmente ouvir, ler ou estudar “os escritos sagrados”. É necessário aprender a visualizar Cristo Jesus no Antigo Testamento. É necessário que a pessoa renda sua vida (note: “pela fé”) ao Salvador Ungido, sem o qual “os escritos sagrados” não têm sentido (HENDRIKSEN, 2001, p.370).

                   Permanecer na Palavra é ter a Palavra permanecendo no seu coração; é, nas palavras de Tiago, não sermos meros ouvintes, mas operosos praticantes (cf. Tg 1.22-24), ou como disse Pedro, é usarmos todos os recursos que Deus, pelo Seu divino poder, nos doou para que vivamos uma vida de piedade (2Pe 1.3-11).

                   A Reforma Protestante tem como um de seus lemas Sola Scripturae (Somente a Escritura) como regra de fé e prática. Dizer-se reformado significa o tempo todo voltar-se para a Escritura Sagrada e moldar os pensamentos, palavras e ações de acordo com ela. Nos v.16-17, vemos três características da Escritura Sagrada que devemos compreender, crer e acatar.

1) Sua autoridade, v.16a

“Toda a Escritura é inspirada por Deus”

                   O texto grego traz o adjetivo θεόπνευστος  que traduzido fica “é inspirada por Deus”. Literalmente quer dizer “soprada por Deus”. A ideia aqui é que ao soprar saiu um vento, e este vento foi inspirado. Lembra-nos a criação do homem, quando Deus após havê-lo formado do pó da terra, soprou em suas narinas o fôlego do vida (cf. Gn 2.7). A Palavra de Deus foi “soprada”, isto é, saiu Dele e os Seus santos homens, a inspiraram, receberam e registraram. Pedro diz exatamente o mesmo com outras palavras: “porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Rejeitamos a teoria do ditado, no qual Deus foi falando e os homens foram escrevendo (embora houve algumas situações que isso ocorrera, como por exemplo, algumas partes do livro do Apocalipse). Foi, o que chamamos de “revelação orgânica”, ou seja, dentro da realidade de vida de cada um. O Espírito Santo não suprimiu a personalidade humana dos que escreveram o texto sagrado, mas, com certeza elevou a personalidade humana desses homens ao seu nível de maior atividade (cf. Jo 14.26).

                   Por que é importante sabermos disso? Para que saibamos que não estamos lidando com algo comum e qualquer. Antes, estamos lidando com o que há de mais puro (Sl 119.140), perfeito (cf. Sl 119.96), poderoso, e que é capaz de guiar o nosso coração (Hb 4.12-13). Não há palavra que seja mais cheia de autoridade do que a Palavra de Deus; tudo o que Deus diz, acontece (Is 55.10.11).

                   A autoridade da Palavra de Deus não está no nosso testemunho, ainda que o nosso testemunho adorne a nossa pregação. A autoridade da Palavra de Deus não está na fé da pessoa como que tendo efeito somente na vida daqueles que creem nela, como dizem os liberais e progressistas. Antes, ela é estabelecida no céu (2Pe 1.19).

                   Ao dizer “Toda a Escritura é inspirada por Deus”, Paulo está fazendo uma distinção do que dissera anteriormente a respeito das “sagradas letras” (ἱερὰ γράμματα), v.15. Concordo com William Hendriksen quando diz que por “sagradas letras” nas quais Timóteo fora instruído desde tenra idade por sua avó Loide e por sua mãe Eunice (cf. At 16.1; 2Tm1.5), seja uma referência ao Antigo Testamento, mais especificamente, os Dez Mandamentos, o qual é suficiente para tornar alguém “sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus”, ou seja, tudo quanto alguém precisa saber a respeito de Jesus, encontra-se no Antigo Testamento; e que, no v.16 “Toda a Escritura”(πᾶσα γραφὴ), refere-se ao Novo Testamento que estava em processo de revelação e registro.  

                   Nos dias de Paulo, o Novo Testamento estava sendo escrito, mas, ainda não havia sido estabelecido o seu cânon (fato esse que ocorreria somente no século IV). Contudo, os ensinamentos apostólicos já eram considerados como Escritura inspirada por Deus (cf. Ef 2.20), porque eles não viam a era do Novo Testamento como algo estanque e separado da era veterotestamentária. Em momento algum os crentes naqueles dias viram a Fé Cristã como uma nova religião, mas, como cumprimento das profecias do Antigo Testamento. Por isso, Paulo considera como Escritura Sagrada e inspirada por Deus tudo quanto a pena dos apóstolos produzia com o propósito de instruir a Igreja de Cristo a permanecer na Fé a fim de alcançar a Glória Eterna. 

Aplicação

Qual tem sido o seu relacionamento com a Palavra de Deus? A autoridade dela para você é indiscutível, ou você é desses que dizem que o Antigo Testamento já não tem mais valor normativo, pois, só o Novo Testamento é que importa? Você, como presbiteriano, é um aliancista convicto? Olha para o Antigo e Novo Testamentos como a Palavra de Deus, sua única regra de fé e prática?

Há para você outros ensinamentos importantes aos quais você dá ouvidos quando está passando por alguma situação difícil? Em se tratando dos dilemas do seu coração, a Palavra de Deus é exclusiva para você? Ou você sai em busca do que dizem os ensinamentos humanos os quais não passam de “conselho dos ímpios” (cf. Sl 1.1)?

                   Outra característica da Palavra de Deus na qual devemos permanecer é a

2) Sua utilidade, v.16b

“…e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça”

                   Uma das maiores tragédias que têm acontecido à Igreja de Cristo em nossos tempos, é vermos a Palavra de Deus sendo trocada por ensinamentos mundanos. A Psicologia, sob o pretexto de ser “científica” tomou o lugar do aconselhamento bíblico, e, por isso mesmo, muitos pastores enquanto pregam com veemência a doutrina da inerrância das Escrituras, calam-se diante de outra doutrina igualmente importante, a saber, a suficiência das Escrituras para tratar de assuntos como depressão, ansiedade, e outras coisas tidas como doenças, quando na verdade são pecados. Pior ainda é o caso daqueles usam o que é conhecido como integracionismo, a saber, afirmam que devemos usar os conceitos da Psicologia juntamente com a Bíblia, ou seja, integrar a Psicologia à Bíblia, como se tal fosse possível. Sob o pretexto da doutrina da Graça Comum, afirmam que Deus dá sabedoria não somente ao crente, mas, também ao incrédulo, assim como faz o sol nascer sobre ambos. Como podemos usar ensinamentos tão contrários e diferentes do que nos dizem as Escrituras? Veja por exemplo, que a Psicologia jamais trata com o pecado. Aliás, ela nem mesmo ensina sobre o pecado.

                   A Escritura Sagrada é útil (ὠφέλιμος– útil, benéfica e vantajosa) para:

• O ensino: ou seja, ela nos comunica toda a vontade de Deus para nossa vida.
• A repreensão: ela nos adverte dos erros e desvios quando deixamos de fazer a vontade de Deus
• A correção: ela nos mostra o que devemos fazer em relação à vontade de Deus.
• A educação na justiça: ela nos mostra como devemos fazer a vontade de Deus.

                   É na Palavra de Deus que encontramos tudo sobre a Sua vontade para nossa vida. Em lugar algum além das Escrituras você conhecerá a vontade de Deus. Todo conselho que você der ou receber deve partir das Escrituras, caso contrário, deve ser rejeitado no seu todo. Para que possamos ser realmente felizes e bem sucedidos precisamos obedecer a Palavra de Deus.

Aplicação

Leia a Bíblia na perspectiva dessa quádrupla utilidade das Escrituras. Toda vez que você se deparar com um problema em sua vida, (1) vá às Escrituras para saber o que elas dizem sobre isso¸(2) descobrindo tratar-se de um pecado, aceite a repreensão da Palavra; (3) após ser confrontado pela Palavra, corrija o seu coração de acordo com o que ela lhe diz, (4) para isso você precisará traçar um plano de ação baseado nas Escrituras e imediatamente pô-lo em prática. Faça uma lista de ações geralmente começando com oração pedindo por sabedoria. Memorize versículos relacionados a esse pecado, para que assim que você for tentado a cair, você lembre o que a Bíblia diz e o que Deus lhe promete. Observe as circunstâncias nas quais geralmente você comete aquele pecado. Antecipe-se a essas circunstâncias adotando ações que glorificam a Deus. Se você conseguir vencer, dê glória a Deus; se falhar, corra para Ele, busque Seu perdão e, imediatamente, retome a obediência à Palavra de Deus (cf. Ap 2.5).   

                   Por fim, vejamos outra característica da Escritura

3) Sua finalidade, v.17

“a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”

                   No v.15 Paulo falou sobre as “sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus”. O alvo de Deus para nós com a Sua Palavra é conduzir-nos à Sua Glória Eterna. Votando a questão da Psicologia, pergunto: a Psicologia ou quaisquer outros conselhos humanísticos e antropocêntricos têm esse propósito? Existe um propósito maior para nós do que vivermos para a glória de Deus e chegarmos na Glória Eterna?

                   Alguém nesse momento pode dizer: “Mas a Psicologia está preocupada e voltada para as coisas dessa vida, e, por isso mesmo não se importa com as coisas eternas”. E justamente por pensar assim, muitos acreditam que a Bíblia só fala das coisas eternas e nada tem com as coisas dessa vida. Que laço! Que engodo!

                   É fato que a Palavra de Deus põe sua ênfase nas coisas eternas (cf. Cl 3.1-2), e nos mostra que as coisas eternas são infinitamente mais importantes que as coisas dessa vida, tal como disse o Senhor Jesus: “Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?” (Mt 16.26). Contudo, as Escrituras se voltam também para as questões dessa vida para mostrar-nos como devemos viver aqui enquanto caminhamos para a Glória Eterna.

                   Deus quer que você que se diz “homem de Deus” seja “perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”. Ao dizer que o homem de Deus deve ser “perfeito”, Paulo não está se referindo à isenção de imperfeições e defeitos, e nem mesmo de impecabilidade. O que ele está dizendo é que, o homem de Deus, pela obediência à Sua Palavra, haverá de ser plenamente capacitado e competente para realizar toda boa obra. É importante que se diga, que boa obra é algo que só o crente (o homem de Deus) pode realizar. Não se trata de caridade ou filantropia, mas, sim de obras capacitadas por Deus, para serem realizadas para a glória Dele com o objetivo de confirmar a vocação e salvação daquele que as pratica.

Aplicação

Tudo quanto, pois, você precisa para viver de forma a glorificar a Deus, você encontra sobejamente em Sua Palavra.

Em obedecendo-a você se verá cada vez mais habilitado, qualificado e competente não só para cuidar de si mesmo, como também daqueles a quem Deus lhe confiou (cf. 2Tm 4.1-2).

Conclusão

                   A Reforma Protestante pôs a Bíblia novamente nas mãos do povo. Deus não fica sem deixar de Si testemunho, e mesmo quando os dias são nebulosos, Ele lança Sua luz por meio da Sua Palavra.

                   Quero aqui desafiar a todos, oficiais e membros, a que zelem pela Palavra de Deus. Líderes, não permitam que a Palavra de Deus seja substituída pelos “conselhos dos ímpios”. Irmãos, não cedam à tentação do que é passageiro e efêmero, desprezando assim o que é eterno. Deus nos preparou para a Eternidade, e somente aquilo que é eterno, a saber, a Palavra de Deus, pode nos levar em segurança até lá. Pastores, não tenham medo de dizer aos seus rebanhos que o que eles precisam é somente da Palavra de Deus, e por isso, mesmo, não os entretenha e nem os distraia com as filosofias mundanas; dê-lhes o alimento da Palavra de Deus.

                   É a Palavra de Deus que repelirá os bodes e fortalecerá as ovelhas. E convenhamos, quanto do nosso precioso tempo é gasto com bodes que só querem entretenimento, e que poderia ser empregado no fortalecimento de ovelhas que querem e precisam crescer!

                   Que usemos a sabedoria que Deus já nos disponibilizou em Sua Palavra a fim de vivermos de forma agradável a Ele enquanto caminhamos para estarmos com Ele em Sua glória.  

Rev. Olivar Alves Pereira
Ad Majorem Dei Gloriam